A República Juliana na Guerra dos Farrapos - 1839
Anita Garibaldi representada por J. Moritz Rugendas (c.1848). Rugendas conheceu o casal Garibaldi provavelmente no Uruguay, em 1845.
Numa tentativa de expansão da Revolução Farroupilha (1835-1845), um grupo dos farrapos, liderado por David Canabarro, fundou a República Juliana, em Laguna. O italiano Giuseppe Garibaldi deu apoio naval.
Desde a retomada de Porto Alegre, em 1836, pelas forças do Império, durante a Guerra dos Farrapos, as principais vias fluviais e portos do Rio Grande do Sul eram controlados pelo Império.
Devido à Guerra, muitos gaúchos emigraram para Santa Catarina. Alguns desses atuaram como contrabandistas para os farroupilhas, fornecendo armas e munições.
As forças farroupilhas chegaram à Vila de Lages, em março de 1838, e buscavam conquistar Laguna, como um porto para acesso ao Atlântico. Nesse intento, no início de julho de 1839, transportaram dois lanchões por terra, até o Rio Tramandaí, desceram até o Oceano e subiram até a Vila de Laguna, comandados por Garibaldi. O lanchão por ele comandado naufragou, morrendo boa parte da tripulação. Garibaldi nadou até a praia e foi ajudado por habitantes de Araranguá. Canabarro comandou as forças por terra.
O Município de Laguna possuía, na época, cerca de 12 mil habitantes, sendo que mais de dois mil eram escravos.
Em julho de 1839, os farroupilhas atacaram, dominaram e saquearam Laguna. Após um combate inicial, com alguns mortos, os imperiais, em menor número, retiraram-se para defender Desterro (atual Florianópolis). Segundo Gustavo Marangoni Costa (Entre Contrabando e Ambiguidades: Outros Aspectos da República Juliana... UFSC, 2006), os farroupilhas continuaram avançando para o norte até serem contidos pelas forças imperiais, próximo ao Morro dos Cavalos (atualmente no Município de Palhoça).
Em 29 de julho, a Câmara Municipal de Laguna, presidida por Vicente Francisco de Oliveira, proclamou a nova República, com o nome de Estado Catharinense Livre e Independente. A República Juliana, pois era o mês de julho, foi governada inicialmente por Canabarro e seria um estado federado à República Rio-Grandense, proclamada em 1836.
Ainda segundo Marangoni Costa, em 7 de agosto foram convocadas eleições. O Tenente-Coronel Joaquim Xavier Neves foi eleito presidente da nova República, mas encontrava-se fora e não participou do movimento revolucionário. Assumiu o vice-presidente eleito, o padre Vicente Ferreira dos Santos Cordeiro.
No início, embora houvesse, em geral, uma simpatia dos catarinenses pela Revolução, parte dos habitantes locais não apreciou o feito, principalmente devido aos saques, desmandos e abusos. Muitos se retiraram para Imaruí (Imaruhy), um distrito de Laguna.
Em 18 de agosto de 1839, o Marechal de Campo Francisco José de Souza Soares de Andrea, que combateu a Cabanagem no Pará, assumiu o governo da Província de Santa Catarina. Em 31 de agosto, ele informou ao Ministro da Guerra que Xavier Neves comandava seu batalhão, em São José e que não tinha motivos para desconfiar dele. Xavier Neves nunca assumiu o governo da nova República.
A administração da República Juliana era desorganizada e, apesar dos saques, tinha problemas financeiros. Vários cargos foram assumidos por amadores. A tão sonhada saída para o mar não se concretizou, pois os imperiais logo cercaram Laguna. A simpatia inicial dos catarinenses, em geral, pela Revolução desvaneceu-se, em pouco tempo.
Revolucionários Baianos em Santa Catarina
Em 1837, os revolucionários baianos foram responsáveis pelo plano de fuga de Bento Gonçalves do Forte São Marcelo, em Salvador. A Sabinada (1837-1838), um movimento republicano na Bahia, eclodiu no final do mesmo ano. Outro movimento republicano, a Federação do Guanais, já havia ocorrido na Bahia, em 1832. Os baianos também participaram ativamente da Revolução Pernambucana de 1817.
Na noite de 11 setembro de 1839, houve uma sublevação da Guarnição da Fortaleza da Barra do Sul (Fortaleza de N.S. da Conceição de Araçatuba), composta por cerca de 50 soldados. Mataram o Alferes Pedro Fernandes, o segundo em comando, e buscaram matar também o Comandante José Joaquim Pereira Guimarães, que se escondeu. O baiano João Francisco Regis, sargento da Guarnição e que havia participado da Sabinada da Bahia, comandou o levante e assumiu o comando da Fortaleza. Na manhã do dia 12, ele mandou avisar aos farroupilhas para ocupar a Fortaleza. Os farroupilhas enviaram um lanchão, com alguns homens, e uma canoa, mas perceberam que não podiam permanecer na Fortaleza. Os rebeldes acharam o Tenente Guimarães e o levaram amarrado no lanchão, junto com armas e munições. Tentaram inutilizar as peças de artilharia que não puderam levar. No dia 13, a Fortaleza foi retomada pelos imperiais.
Após investigações, julgou-se que a sublevação teria ocorrido por ação do baiano João Rebello de Mattos, que fora leiloeiro da Capital Catarinense, renunciou ao cargo e foi voluntário para fazer parte da Guarnição da dita Fortaleza.
João Rebello de Mattos esteve envolvido na Sabinada. Não apenas ele, grande parte dos soldados da Guarnição vieram da Bahia e haviam participado do movimento republicano baiano. Quase todos vieram do Norte ou Nordeste. Entre os líderes da sublevação estavam também o baiano Bento José, Recruta de Caçadores, e o português José Pinto Ribeiro, Recruta de Artilharia, ambos envolvidos na Sabinada. Parte dos soldados rebeldes foram incorporados ao exército farroupilha, outros foram capturados e submetidos ao Conselho de Guerra.
A Reconquista de Laguna pelo Império do Brasil
Em 4 de novembro, os imperiais atacaram os farroupilhas na batalha naval de Imbituba. Aumentou expressivamente a debandada dos catarinenses, que lutavam pela Revolução, como relatou Canabarro, em carta de 9 de novembro, ao General Antônio Netto da República Rio-Grandense. Muitos catarinenses trocaram de lado, passando para as tropas imperiais.
De acordo com Marangoni Costa, no início de novembro, os habitantes da Freguesia de Imaruí pegaram em armas contra os republicanos. Em 9 de novembro, Canabarro mandou Garibaldi atacar Imaruí, o que foi seguido por pilhagem. Garibaldi relatou posteriormente estar envergonhado dessa ação.
Outra revolta contra a República Catarinense ocorreu no povoado de Tubarão, que passou a apoiar as tropas imperiais.
Em 15 de novembro de 1939, as forças do Império atacaram Laguna e a República Juliana foi extinta. Os farroupilhas fugiram por terra para Lages, como Garibaldi, ou para o Rio Grande do Sul.
Em 12 de janeiro de 1840, o Coronel Antonio de Mello e Albuquerque derrotou os farroupilhas na Batalha de Curitibanos, onde fez prisioneira Anita Garibaldi, mas ela conseguiu fugir. O domínio do Império em Lages também foi restaurado.
Em agosto de 1840, foi decretada uma anistia que beneficiou os habitantes de Laguna envolvidos com a República.
Em 1844, David Canabarro assumiu o comando da Revolução Farroupilha e fez a paz com o futuro Duque de Caxias, em fevereiro de 1845.
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Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição, na Ilha de Araçatuba, hoje, no Município de Palhoça. Foi construída no século 18, atualmente está em ruínas. Aqui, em setembro de 1839, revolucionários baianos, que atuaram na Sabinada, comandaram um motim em favor da causa republicana.
O Marechal de Campo Francisco José de Souza Soares de Andrea (1781-1858). Português de nascimento, assumiu o Governo da Província de Santa Catarina no mês seguinte à proclamação da República Juliana. Em 1855, recebeu o título de Barão de Caçapava. Foi também presidente das províncias da Bahia, Minas Gerais, Pará e Rio Grande do Sul.
Litografia de S. A. Sisson, 1861.
Giuseppe Garibaldi, em 1845.
Óleo sobre tela por Malinski, acervo do Museo del Risorgimento, Milano, Itália.
Giuseppe Garibaldi (1807-1882)
Ainda jovem, o revolucionário italiano refugiou-se no Brasil, em 1835, após sua participação numa tentativa fracassada de unificar a Itália.
No Brasil, sua contribuição aos movimentos liberais foi apenas marginal. Sua maior atuação no Sul foi como pirata, atacando e saqueando embarcações imperiais.
Em 1837, soube que o italiano Tito Lívio Zambeccari, estava preso no Rio de Janeiro. Após uma visita a Zambeccari, Garibaldi aderiu à Revolução Farroupilha.
Em Laguna, Garibaldi apaixonou-se pela catarinense Anna Maria (Anita) de Jesus Ribeiro da Silva (1821-1849), casada. Seu marido havia se alistado no exército imperial.
Em 30 de outubro de 1839, quando a República Juliana já agonizava, Anita escreveu à sua irmã no Rio de Janeiro, informando que foi chamada de puta e traidora por seus conterrâneos. Anita passou a morar, com Giuseppe, no navio Rio Pardo, dizendo que fugia da hostilidade da maior parte dos habitantes de Laguna contra ela.
Após a reconquista de Laguna pelos imperiais, Garibaldi e Anita seguiram juntos para Lajes e, depois, para o Rio Grande do Sul.
Em 1840, Garibaldi deixou os farrapos e seguiu, com Anita, para o Uruguay, transportando gado. Depois, entrou para a Marinha do Uruguay e combateu o ditador argentino Rosas. Em 1848, os dois foram para a Itália, com seus três filhos. Anita faleceu em 1849, com pneumonia. Posteriormente, já experiente, Garibaldi teve participação importante na unificação da Itália, conquistando a Sicília e Nápoles.
Expedição a Laguna, por Lucílio de Albuquerque, tela no Instituto de Educação Gal. Flores da Cunha, Porto Alegre.
A batalha de reconquista de Laguna pelas forças imperiais, em novembro de 1839. Ilustração do artista catarinense Rafael Mendes de Carvalho (1817-1870), original na Biblioteca Nacional.
David José Martins (1796-1867), conhecido como David Canabarro. Fundador da República Juliana. Nasceu na estância de seus pais, perto de Taquari, e adotou o sobrenome do tio. Foi militar do Império do Brasil, antes e depois de aderir à Revolução Farroupilha.
(foto pintura/reprodução na Casa David Canabarro, Santana do Livramento).
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Por Jonildo Bacelar