A Inconfidência Mineira

 

No século 18, a capitania das Minas Gerais era uma das mais prósperas do Brasil, com suas jazidas de ouro e pedras preciosas. Sua produção anual chegava a cerca de 10 toneladas de ouro, nos melhores anos. Toda jazida pertencia ao Rei, que fornecia concessões de exploração.

A Coroa Portuguesa estipulava sua parte (royalties) em um quinto da produção (embora houvesse alterações nos critérios de cobrança, em certos períodos). Esse valor não era exagerado, era menor do que se paga hoje em impostos, de uma forma geral. As jazidas eram basicamente de aluvião, ou seja, encontrava-se nas margens dos rios. Em sua extração, utilizavam-se técnicas básicas, normalmente envolvendo escravos.

No final do século 18, as minas já estavam em decadência. Em 1788, com o acúmulo das dívidas devido à falta de pagamento dos royalties, Portugal resolveu executar uma derrama, forçando a cobrança através de confiscos. Seria a terceira derrama na Capitania das Minas Gerais. A primeira começou em 1763, a segunda, em 1768. Portugal também se preocupava com o contrabando, que aumentava.

Nessa época, ideais de liberdade fluíam pelo mundo Ocidental. No Brasil somava-se ainda o descontentamento dos brasileiros com a preferência dada aos portugueses em todos os níveis. Nas Minas Gerais, panfletos, com críticas ao governo, eram publicados sob pseudônimo (acredita-se que eram de Tomás Antônio Gonzaga).

A partir de 1785, surgiram os primeiros indícios de um movimento nas Minas Gerais, em busca de independência. Naquele ano, o Alvará de 5 de janeiro proibiu fábricas e manufaturas no Brasil.

Segundo a pesquisadora gaúcha Isolde H. Brans, os inconfidentes buscaram apoio dos Estados Unidos e receberam a seguinte resposta: o Brasil receberia naus e gente se, além de pagar os soldos às tropas a serem enviadas, também adquirisse bacalhau e trigo, produzidos na América.

A derrama insuflou ainda mais os brios de liberdade dos brasileiros endividados, principalmente na Vila Rica de Albuquerque, atual Ouro Preto. Esses ideais de liberdade, entretanto, não envolviam os escravos.

Nesse movimento, reuniram-se proprietários rurais, intelectuais, clérigos e militares. Os principais protagonistas eram parte da elite mineira. Entre eles, destacaram-se o poeta e jurista Claudio Manuel da Costa, o advogado e poeta Inácio José de Alvarenga Peixoto, o poeta e jurista Tomás Antônio Gonzaga, o alferes da Cavalaria Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, entre outros.

Segundo Isolde Brans, Tiradentes teria estado na Europa, em 1787, em conversações para apoio ao movimento mineiro, provavelmente não foi sozinho.

Os planos dos inconfidentes eram a tomada do poder no início da execução da derrama, quando acreditava-se haveria clima para o movimento. Seria proclamada uma república independente. Vila Rica seria ocupada pelas tropas dos inconfidentes e contava-se que as vilas vizinhas aderissem. O lema seria libertas quae sera tamen (liberdade, ainda que tardia), tirado de um poema de Virgílio, em latim. Todos os devedores da Fazenda Real teriam suas dívidas perdoadas. Gonzaga seria o primeiro governador.

Antes que fosse disparado um tiro, a conspiração foi delatada pelo coronel Joaquim Silvério dos Reis, que havia aderido inicialmente ao movimento. Ele, também, um devedor de royalties, buscava o perdão de sua dívida. Em 15 de março de 1789, ele encontrou-se com o Visconde de Barbacena, governador da Capitania, e denunciou a conspiração. O governador suspendeu a execução da derrama e instaurou uma devassa, o processo que resultou na acusação de 34 pessoas. As sentenças foram definidas em 19 de abril de 1792.

Onze dos acusados foram condenados à morte, incluindo Tiradentes e Alvarenga Peixoto, outros foram condenados a prisão perpétua. Tiradentes confessou-se culpado, sem arrependimentos, e foi o único executado, os demais tiveram a pena comutada para degredo perpétuo por D. Maria I, incluindo Tomás Antônio Gonzaga. Cláudio Manuel da Costa morreu na prisão da Casa dos Contos, por suicídio ou assassinato.

A Participação de Tiradentes

Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, nasceu na Fazenda do Pombal (atual Ritápolis), interior de Minas Gerais, em 1746. Era o quarto de sete irmãos. Filho do português Domingos da Silva dos Santos, proprietário de terras e conselheiro municipal, e da brasileira Antônia da Encarnação Xavier.

O garoto Joaquim José ficou órfão de mãe, aos nove anos, e órfão de pai, aos onze. Os irmãos se separaram e ele foi morar com seu padrinho, o cirurgião Sebastião Ferreira Leitão, que tirava dentes na vila de São José (atual Tiradentes). Tiradentes aprendeu o ofício do padrinho, mas não se sabe até que ponto ele trabalhou nessa atividade. Ainda jovem, trabalhou com  mineração e montou uma tropa para o transporte de mercadorias.

Em 1775, entrou para o Batalhão dos Dragões, como alferes, um posto de oficial equivalente a 2º tenente. Participava de expedições de reconhecimento no sertão de Minas. Em 1781, foi nomeado pela rainha, D. Maria I, comandante da patrulha do Caminho Novo, na Estrada Real, que ligava Vila Rica ao porto do Rio de Janeiro. Sua função era garantir o transporte do ouro e diamantes extraídos nas Minas Gerais.

Não se sabe, ao certo, porque o alferes Xavier não foi promovido. Permaneceu como alferes por mais de 13 anos, enquanto outros oficiais mais novos já eram capitães. Ele certamente não estava feliz com o fato. Por esse e outros motivos, Tiradentes passou a criticar abertamente o governo.

Em março de 1787, ele pediu licença de suas funções militares e seguiu para o Rio de Janeiro, onde tentou projetos comerciais e de engenharia, com petições para as obras na Câmara Municipal. Com o fim de sua licença, retornou para Minas. Tudo indica que a falta de respostas sobre a aprovação de seus empreendimentos aumentou seu desejo por independência. Nessa época ele teria ido a Europa.

Com a delação do movimento, Tiradentes foi preso no Rio de Janeiro, em 10 de maio de 1789, estava refugiado na casa de um amigo. Foi enforcado em 21 de abril de 1792, então esquartejado e partes de seu corpo foram expostas no caminho do Rio de Janeiro a Minas Gerais.

Sua imagem somente foi reabilitada com a República. Em 1889, o município de São José del Rei, onde cresceu, recebeu o seu nome.

Mais: Museus e História de Minas Gerais

 

Tiradentes por J. W. Rodrigues, em 1940. As feições reais de Tiradentes não são conhecidas, mas o alferes foi representado por alguns artistas.

 

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A Praça Tiradentes na histórica cidade de Ouro Preto, antiga Vila Rica de Albuquerque e cenário de muitos dos acontecimentos da Inconfidência Mineira.

 

Mais sobre Tiradentes

Não é pessoa que tivesse figura, nem valimento, nem riqueza, do escrivão que tomou o primeiro depoimento de Tiradentes, após sua prisão. O alferes mudaria sua versão no terceiro depoimento, assumindo a culpa e inocentando seus colegas.

Tiradentes não deixou textos escritos por ele mesmo. Existem muitas dúvidas sobre sua história e a condição de seus bens, mas sabe-se que houve altos e baixos. Ele morava de aluguel e tinha dívidas, mas isso pode ser atribuído ao seu estilo de vida: solteiro, viajante e idealista. Teve duas filhas, com mulheres diferentes.

Por outro lado, os Autos da Devassa indicam que ele possuía escravos, sesmarias e a concessão para exploração de jazidas em grandes lotes de terra. Esses bens foram penhorados, mas fica claro que ele teve seus bons tempos (teria ele penhorado seus bens para financiar os projetos revolucionários?).

Seus projetos no Rio de Janeiro eram grandiosos. Envolvia, por exemplo, a construção de um desembarcadouro de gados, um armazém para recolher trigo e aquedutos para fornecer água à cidade do Rio de Janeiro. Nessa época, Tiradentes solicitou permissão para ir a Lisboa.

Por fim, há que se considerar, que no século 18, os homens da elite costumavam buscar seus iguais para discutir projetos em comum e Tiradentes era claramente um dos líderes, segundo as declarações dos denunciantes nos Autos da Devassa.

Apud Lopez / Mota, História do Brasil, 2008.

 

 

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Por Jonildo Bacelar

 

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